No pequeno texto que segue, procurarei responder alguns questionamentos feitos para todos os alunos da Pedagogia em nosso primeiro encontro de duas novas interdisciplinas.
“Quem sou eu, onde vivo e trabalho? Por que me tornei professor(a)? Como vivencio hoje o ser professora/professor? Tenho ousadia para... Tenho medo de... Quero dialogar sobre...”
Meu nome é Paulo Medeiros. Moro em Gravataí e trabalho três turnos na Escola Municipal de Ensino Fundamental Áurea Celi Barbosa. Faz quase duas décadas que leciono nesta mesma instituição, embora em minha relativamente mediana trajetória no magistério já tenha atuado em outras escolas municipais e durante alguns anos em uma escola de ensino privado, Nossa Senhora dos Anjos – GENSA, tendo saído para abrir minha própria escola, esta de informática. Ou seja, como se pode perceber, não importam os rumos, os destinos a que me reporto estão sempre ligados à tarefa de educar.
Tornei-me legalmente professor aos vinte anos, mas desde os catorze estive à frente de uma turma, pois naquela tenra idade lecionava catequese na igreja da qual eu fazia parte, obviamente supervisionado por uma irmã que coordenava o trabalho de todos os demais catequistas.
Antes de ingressar no curso de magistério, na Escola Dom Feliciano, senti um impulso (denominam de “chamado”) em direção à congregação Marista, e fui admitido no seminário depois de um ano de visitas semanais, cursos e encontros com os seminaristas de então. Parecia que todo o meu futuro já estava desenhado: tornar-me-ia médico, trabalharia com a população pobre, preferencialmente em um país distante, pois o desejo de conhecer o mundo já despertava.
Idealista e dado à coerência entre a intenção, o discurso e a ação, não permaneci suficiente tempo no seminário de Caxias do Sul para vivenciar tudo o que eu imaginava ser possível fazer pelos menos afortunados. Deixei, arrasado, um futuro para trás, e ingressei na Escola Dom Feliciano, já aqui em Gravataí. Parecia um retrocesso completo: voltava para minha cidade e abria mão de projetos tão cuidadosamente desenhados em minha mente. Contudo, aos poucos percebi que através do magistério eu poderia, ainda que de forma diferente, auxiliar meu próximo a retomar sua própria caminhada, incutindo-lhes, talvez, a utopia possível da realização pessoal.
Estando eu com trinta e poucos anos, completamente desmotivado com o cotidiano profissional do qual eu fazia parte, resolvi trocar de escola, buscar alguma mudança no fazer pedagógico; foi então que abri a citada escola de computação. Apesar do sucesso da empreitada, do número de alunos haver superado as expectativas, percebia que aquele novo passo não era exatamente o que eu buscava. Deste modo, alguns anos depois estava de malas prontas para embarcar em um mundo totalmente novo para mim e para a expressiva maioria das pessoas que conheço: morar no continente asiático, mais precisamente no Japão.
Resultado de um ano inteiro de preparação, a ida para Hiroshima foi possível somente porque o governo japonês, através do seu consulado, selecionou-me para desenvolver um projeto de pesquisa em uma de suas universidades públicas, Shimane Daigaku (Universidade de Shimane), não sem antes cursar língua japonesa na Universidade de Hiroshima. Com certeza, tratava-se da mudança que eu procurava.
No sistema educacional japonês e no cotidiano das escolas, encontrei o modo de fazer educação no qual acredito: alunos extremamente aplicados, aulas com turno integral, professores bem remunerados, escolas aparelhadas com o inimaginável por nós e um nível de exigência dos mestres para com os educandos (e estes correspondendo) que muito me agradaria encontrar por aqui. Não percebi permissividade ou tolerância para com tolices e atitudes irresponsáveis. Na própria universidade, eu estudava do início da manhã até as primeiras horas da noite, e assim acontecia com as crianças na mais tenra idade escolar. Éramos constantemente cobrados quanto a resultados, e esses precisavam ser apresentados de forma primorosa e sem quaisquer erros. Contudo, caso ocorressem, a orientação para refazer uma parte ou o todo sempre vinha acompanhada de um misto de reprimenda e estímulo. E de tanto conviver em uma atmosfera de respeito ao educador (por parte de pais, alunos e toda a sociedade) e postura irreticável por parte dos alunos, frustrei-me tremendamente em meu retorno para a sala de aula no Brasil – aquela era a escola para a qual sempre me preparei.
Contudo, como um dos aprendizados pessoais na “terra do sol nascente” foi não esmorecer, desde então tenho a pretensão de trazer para meu ambiente de trabalho o melhor que posso oferecer em matéria de conhecimento e prontidão para os desafios que se fizerem presentes. Certamente por tal razão, criei uma janela de nossa Escola na Internet, através de um blog, ainda no início do ano letivo de 2006. Toda a comunidade escolar festejou (e o faz no presente) a possibilidade de ver-se na rede mundial, e nossa “janela” tornou-se um álbum de registros das atividades que são desenvolvidas por professores, alunos, voluntários, pais, etc. Talvez esta iniciativa seja esta uma de minhas ousadias desde que retornei para o ocidente.
Mas e quanto aos medos? Com certeza, o maior deles seria perceber que meu trabalho não estaria agregando valor a meu cotidiano profissional. Ser apenas um funcionário ou alguém que registra sua presença causaria uma mácula terrível não apenas no campo dos meus sentimentos, mas na vida daqueles que me são confiados na busca por conhecimento e reflexão acerca do mundo. Os alunos esperam bem mais de seu professor do que apenas um transmissor de mensagens prontas, praticamente memorizadas, desprovidas de qualquer entrega em nível pessoal, sem qualquer marca singular que os faça desejar um novo encontro com seu mestre no dia seguinte.
Neste sentido, gostaria de dialogar a respeito não apenas dos papéis de cada um, mas principalmente quanto a magia que vem-se perdendo paulatinamente na arte (que virou tarefa) de educar. Que falemos de encantamento, sonhos, possibilidades e objetivos tanto coerentes quanto necessários, pois nossas escolas, além de investimento financeiro e responsabilidade em sua gestão, precisam de gente que se encanta até mesmo com a própria menção do que pode ser feito.